Que a “selva de pedra” que chamávamos de São Paulo tem se tornado uma “selva de vidro”, todos sabemos. Basta atravessar a Avenida Faria Lima para perceber: há décadas, a pele de vidro é um símbolo do que é um edifício corporativo moderno. Acontece que, nos últimos dez anos, uma “prima” da pele de vidro tem se tornado igualmente popular no meio residencial: as varandas gourmet envidraçadas.
Desde 2014, é raro achar um lançamento sem varandas, que embora sejam entregues abertas, quase sempre são fechadas pelos moradores com painéis de vidro. Essas varandas passam a servir como uma segunda sala de estar, com sofás, tapetes e até ar-condicionado. E o resultado é uma envoltória termicamente muito parecida com a pele de vidro.
No meio corporativo, já conhecemos os desafios dessa pele de vidro: o calor se acumula dentro do escritório, como um carro estacionado sob o Sol. Isso exige sistemas de ar-condicionado muito eficientes, ligados o dia todo, para que os usuários fiquem confortáveis. O impacto é ainda maior durante as ondas de calor, cada vez mais frequentes. Nesses momentos, o consumo do ar-condicionado é tão alto que chega a causar quedas de energia na cidade.
Nossos apartamentos passarão pelo mesmo problema? Temos energia o suficiente para lidar com o calor?
Em busca de respostas, os pesquisadores Guilherme Scarpa e Pedro Luz (POLI-USP) analisaram mais de 200 apartamentos projetados na última década, em especial, unidades de alto padrão com grandes varandas. Clique aqui para conferir o estudo completo.
O conforto térmico em diferentes cenários
O trabalho contemplou a simulação via software de um apartamento típico em três cenários diferentes:
Varanda aberta, sem painéis
Varanda com painéis, que nunca são abertos
Varanda com painéis, e 1/4 dos painéis são abertos ao longo do dia
Os gráficos abaixo mostram por quanto tempo do ano o morador passa calor, frio ou conforto na sala de estar, sem ligar o ar-condicionado. Primeiro os dados para o clima de hoje. Na sequência, a estimativa para daqui a 50 anos.
Quando fechamos a varanda com vidro, o desconforto provocado pelo calor cresce quase 7 vezes (do cenário A para o B). Estamos falando de quase metade do ano passando calor na sala de estar.
Isso acontece porque a radiação solar penetra o vidro e fica aprisionada na varanda na forma de calor, o que inevitavelmente aquece a sala ao lado também.
No clima futuro, tudo fica mais extremo: chegamos a mais de 70% do ano passando calor na sala. Imagine ter que ligar o ar-condicionado todos os dias por 9 meses do ano.
A boa notícia é: a ventilação natural ajuda muito! Quando abrimos os painéis (do cenário B para o C), as horas em calor caem mais do que pela metade.
Quanto mais permitimos que o ar circule, mais resfriamos a casa sem precisar ligar o ar-condicionado. Porém, isso exige esquadrias fáceis de abrir e fechar em horas estratégicas do dia, o que não acontece na prática. Muitos moradores reclamam da dificuldade de abrir e fechar os painéis de vidro.
Dito isso, o melhor resultado é, de longe, o da varanda aberta. Primeiro, porque a varanda aberta não acumula calor. Segundo, porque a varanda do andar de cima atua como um grande brise horizontal, que impede a radiação do Sol de entrar na sala.
Consumo de energia e ameaça de apagão
Diante desse cenário, como fica a conta de luz? Imagine que liguemos o ar-condicionado apenas durante as horas de calor indicadas nos gráficos acima. As figuras a seguir mostram o quanto gastaríamos de eletricidade com aquecimento, iluminação/equipamentos e refrigeração.
Repare no salto brutal: o consumo quase triplica quando fechamos os vidros (cenário A para B). Isso tudo por conta do ar-condicionado: o consumo com refrigeração, que não representava nem um décimo da conta de luz, passa a ser quase metade.
O prejuízo financeiro para o morador já é, por si só, alarmante. Porém, preocupa ainda mais o impacto no sistema de energia. Hoje, o setor residencial já consome 30% de toda a eletricidade do Brasil (EPE, 2023). O que acontecerá se todo esse setor aumentar seu consumo nessa proporção? As quedas de energia durante as ondas de calor, que hoje atingem mais os bairros corporativos, poderão impactar a cidade inteira.
Conclusão
É preciso, urgentemente, projetar apartamentos mais confortáveis e eficientes para enfrentar as mudanças do clima. E, para isso, não faltam soluções. As mais usuais incluem:
Sombreamento externo bem projetado, como brises
Persianas internas, que embora ajudem um pouco, não impedem o calor de entrar no ambiente.
Aproveitamento da ventilação natural. É necessário desenvolver esquadrias mais fáceis de abrir e fechar para refrescar o ambiente sem depender do ar-condicionado.
Vidros de controle solar escolhidos com cuidado para não prejudicar a entrada de luz visível.
O maior desafio, porém, diz respeito à mudança de mentalidade, que precisa estar mais voltada para as questões de conforto e eficiência desde a etapa de projeto. Não é sobre abolir as varandas, mas de estimular seu uso como um espaço de transição entre o interior e o exterior. Um espaço de Sol e sombra, de ventilação, e, principalmente, de contato com o exterior, algo cada vez mais precioso em nossa cidade.
Como projetistas, podemos contribuir repensando os projetos de apartamentos, buscando fachadas mais eficientes e layouts que estimulem os usuários a aproveitar os terraços como área realmente externa. O time de Sustentabilidade do CTE está a postos para oferecer consultoria especializada no assunto.
Como moradores, podemos trazer essas preocupações ao pesquisar imóveis. Quanto vidro há na fachada? Qual a orientação da unidade? Precisarei instalar painéis de vidro?
Com essas questões em mente, conseguiremos, aos poucos, ter uma cidade mais confortável, eficiente e resiliente às mudanças climáticas.
* Analista de eficiência energética no CTE, Pedro Luz é engenheiro civil pela Escola Politécnica da USP e egresso do programa de dupla formação em arquitetura e urbanismo da universidade.
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