Logo no início da pandemia da
Covid-19 constatou-se que a taxa de letalidade causada pela doença era mais
alta entre pessoas com problemas crônicos de saúde, mais especificamente obesidade,
diabetes, hipertensão e problemas cardíacos/respiratórios – doenças fortemente
influenciadas pelos nossos hábitos e lugares onde vivemos.
Segundo estudo realizado pela
Embrapa, mais de 80% dos brasileiros vive hoje em centros urbanos e é, nesse
contexto, que a transformação das cidades passa, portanto, a ser determinante
na busca por saúde e qualidade de vida – aspectos tão desejados no contexto
pós-Covid-19.
Das doenças que ficaram em
evidência com a pandemia, a obesidade é a que mais tem crescido no Brasil. O
número de pessoas obesas aumentou 70% nos últimos 15 anos, chegando a
representar mais de 20% da população. Além disso, dados do Ministério da Saúde
indicam que mais da metade dos brasileiros já é considerada com sobrepeso.
A mobilidade urbana influencia fortemente as taxas de obesidade e diabetes da população. Os gráficos abaixo extraídos de estudos norte-americanos indicam respectivamente menor taxa de diabetes em cidades com mais pessoas fazendo o trajeto casa-trabalho a pé ou de bicicleta e maior taxa de obesidade nas regiões mais dependentes do carro.
Os dados deixam claro que o
investimento em mobilidade urbana ativa não é apenas uma ação em prol do meio
ambiente, mas também uma maneira de diminuir o impacto dos gastos com saúde nos
cofres públicos.
Sabe-se que obesidade e diabetes são resultado não somente do sedentarismo, mas também de hábitos alimentares pouco saudáveis. Como é possível termos uma diversidade tão pobre de alimentos naturais e orgânicos nos supermercados se vivemos em um país de dimensões continentais, com solo e clima favoráveis e que é considerado uma das principais potências agrícolas do mundo? A partir deste questionamento, a implantação de Fazendas Urbanas passa a ser umas das principais estratégias na busca pelo desenvolvimento de cidades inteligentes, sustentáveis e saudáveis. Além de contribuir para a economia local, esta iniciativa representa forte impacto na redução de emissões geradas pelo transporte de alimentos e na saúde alimentar da população.
Segundo a Organização Mundial da
Saúde (OMS), a poluição do ar mata 7 milhões de pessoas por ano. Mais de 80% da
população urbana em todo mundo é exposta diariamente a níveis de poluição acima
dos limites de segurança estabelecidos pela OMS.
Nesse sentido, a pandemia está
novamente chamando a atenção para uma realidade que precisa de mudanças
drásticas: estudos mostraram que a taxa de mortalidade por Covid-19 é maior em
cidades mais poluídas. Por outro lado, foi durante a quarentena que ficou claro
o impacto da diminuição
da dependência do carro na melhoria da qualidade do ar urbana.
Na busca por ares mais limpos, outra estratégia fundamental é aumentar significativamente a vegetação urbana. Além de captarem gás carbônico (CO2) e liberarem oxigênio (O2) no processo de fotossíntese, as plantas recebem a deposição de material particulado em suas folhas, tornando o ar mais puro. A fotossíntese também libera no ar partículas de água que absorvem calor do ambiente, o que ajuda na melhoria do microclima urbano e, consequentemente, no conforto térmico e na saúde das pessoas.
O contato com a natureza
contribui ainda para a redução dos níveis de estresse dos habitantes e com uma
melhora na saúde mental da população em geral. Uma pesquisa
realizada por Mary Carol Hunter, da School
for Environment and Sustainability, da Universidade de Michigan, identificou
uma redução de 21% no indicador de estresse Cortisol Salivar em 36 adultos que
vivem em cidades, após estes experenciarem idas diárias de 20 a 30 minutos, ao
longo de 8 semanas, a espaços urbanos com natureza.
Cidades mais vegetadas também
estão relacionadas com a restauração
do ciclo hidrológico natural, capaz de equilibrar o regime de chuvas e
possibilitar a recarga dos nosso lençóis freáticos. Chegamos aqui em mais um
aspecto de extrema importância na relação da saúde com as cidades – a
infraestrutura de saneamento básico. Historicamente, diversas epidemias e
pandemias ganharam escala mundial devido à falta de infraestrutura adequada nas
aglomerações urbanas, como a Cólera e o Ébola.
No Brasil, onde somente 46% do esgoto é tratado, as doenças relacionadas à precariedade do saneamento básico foram responsáveis por 73,4 mil mortes entre os anos de 2008 a 2017.
Pensar no desenvolvimento das
cidades a partir do conceito de saúde urbana não é novidade. Quase todas as
epidemias foram historicamente seguidas de significativas intervenções urbanas,
como por exemplo a Lei Sanitária e a abertura de grandes avenidas promovidas
por Hausmann na Paris do final do século XIX. De lá para cá, muito mudou do que
entendemos por Cidade
Sustentável.
Vivenciamos o Modernismo aplicado
a cidades e, a partir da crítica aos seus aspectos monofuncionais e
rodoviaristas, já estamos experenciando, em muitos lugares, o modelo de
desenvolvimento urbano compacto e amigável ao pedestre, teorizado em 1961 por
Jane Jacobs em seu livro “Morte e Vida das Grandes Cidades”,
impulsionado em 1993 pelo Congresso do Novo Urbanismo e aprofundado em 2013 por
Jan Gehl, em seu livro “Cidade para Pessoas”.
Mais recentemente, parâmetros de
saúde e bem estar aplicados ao desenvolvimento de projetos urbanos – sejam eles novas urbanizações ou
requalificação de comunidades existentes – foram criados através das
certificações ambientais Well
e o Fitwel. Através de conceitos, requisitos e métricas, esses selos
incentivam, no desenvolvimento dos projetos, práticas como a criação de
fazendas urbanas, espaços contemplativos para restauração mental, bebedouros de
acesso público, bem como infraestrutura cicloviária e de estímulo ao
pedestrianismo.
Soma-se a esta reflexão o fato
levantado por diversos estudos científicos de que o aparecimento do Novo Corona
Vírus é resultado de um desequilíbrio do ecossistema causado pela forma que os
seres humanos têm se desenvolvido no território.
Neste sentido, uma forma de honrar
as mais de 100 mil pessoas que morreram no Brasil até o momento pela Covid-19 é
entendermos essa crise como uma grande lição a ser aprendida. Temos a
oportunidade para transformar por completo o desenvolvimento das nossas
cidades, na busca por sustentabilidade e equidade na garantia de saúde e
qualidade de vida de todos.
A Unidade de Smart Cities do CTE presta consultoria
para as certificações citadas nesta matéria – Sustainable Sites, Well Community
e Fitwel Community – além de outros selos de sustentabilidade para projetos de
escala urbana, áreas externas e obras de infraestrutura. Conheça mais clicando aqui.
Myriam Tschiptschin
Gerente da Unidade Smart Cities e Infraestrutura Sustentável
Arquiteta e Urbanista, especialista em Novas Tecnologias aplicadas à Arquitetura e a Cidades pela Universidad de Alcalá em Madri e é Mestre, pela FAU-USP, na área de Planejamento Urbano e Regional. Além de pesquisadora na área de sustentabilidade, em 2011, tornou-se LEED® Accredited Professional pelo US Green Building Council (USGBC) e, desde então, atua como consultora de diversos projetos sustentáveis em nível nacional e internacional.
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