O que esperar das “Cidades do Futuro” pós Covid-19?

Muito tem se debatido a respeito da relação de causa e consequência entre e o desequilíbrio do ecossistema causado pelo homem e o aparecimento do novo coronavirus, ou entre a forma com que os seres humanos decidiram aglomerar-se no território e a proliferação de doenças causadas por microrganismos.

Também tem sido assunto recorrente o impacto negativo que a atual crise representa para a preservação ambiental e para o desenvolvimento sustentável das cidades. A interrupção da coleta seletiva nos municípios e a possibilidade de flexibilização das companhias aéreas em reduzir ou compensar a emissão de carbono são exemplos disso. Sem falar da ameaça que o isolamento produz de esvaziamento dos espaços públicos e a da perda das trocas e da construção cultural, que somente esses espaços são capazes de promover.

Entretanto, este texto não pretende culpar as cidades que criamos até aqui pelo surgimento da pandemia, nem dar foco aos aspectos ambientais negativos aportados pela crise, mas sim àqueles que estamos tendo a oportunidade de vivenciar na quarentena e que apontam para um modelo mais sustentável de desenvolvimento urbano e de maior qualidade de vida nas cidades.

Valorização dos espaços públicos e do encontro

Vamos começar justamente pelo esvaziamento dos espaços públicos comentado anteriormente. Embora se perceba a necessidade de reinventarmos os formatos de aglomeração urbana, a vida em quarentena demonstra a importância dos encontros e da interação social presencial, tanto para a construção cultural do coletivo como para o conforto psicológico das pessoas. Possivelmente o homeoffice e o ensino à distância vão se tornar mais recorrentes, mas estamos valorizando mais do que nunca a manutenção dos espaços públicos (sobretudo os abertos) como palco das atividades de ócio. Diversas cidades no mundo já colocaram em prática políticas de ampliação de áreas para pedestres e ciclistas, como por exemplo Oakland, na California, que anunciou o fechamento para carros em 10% do sistema viário municipal.

Rua fechada em Oakland para garantir distâncias segura em atividades ao ar livre

Mobilidade Urbana

Estamos há décadas discutindo o impacto do carro na qualidade ambiental urbana e no aquecimento global, colocando sempre o foco em ações de planejamento urbano – para aproximar casa e trabalho e incentivar modos ativos de transporte como a caminhada e a bicicleta – ou de melhoria da infraestrutura de transporte, sem imaginarmos que seria o aspecto comportamental da mobilidade urbana que traria o maior resultado no mais curto prazo. Da noite para o dia, as empresas, que sentiam arrepio ao ouvir falar em homeoffice ou flexibilização de horário de trabalho, organizaram-se rapidamente para manter sua produtividade no isolamento imposto pela quarentena.

Não somente vimos que é possível seguir a vida em uma cidade menos dependente do automóvel, como sentimos na pele os benefícios disso, seja pela redução abrupta do número de mortes por acidentes de trânsito ou pelo ar mais limpo que estamos respirando. No Ceará o número total de acidentes de trânsito em rodovias estaduais chegou a cair 60% em março em comparação com o ano anterior e as imagens a seguir ilustram o impacto da quarentena na redução da poluição em São Paulo, no Rio e na China.

Mancha de poluição em São Paulo e no Rio de Janeiro na primeira semana de abril de 2019 (no alto) e no mesmo período em 2020 – Seeg – Observatório do Clima
Concentração de dióxido de nitrogênio na China de 1 a 20 de janeiro (antes da quarentena) e depois, de 10 a 25 de fevereiro (já em quarentena) – Nasa

Saúde e bem-estar

De todos os motivos que poderiam acarretar a próxima crise mundial, a saúde não parecia ser o mais preocupante, não ao menos aos ouvidos das pessoas comuns, fora do campo científico ou médico. Além da crise ser originada por um vírus, sua letalidade está fortemente atrelada a pessoas com doenças crônicas, que são muitas vezes resultado de hábitos de vida pouco saudáveis.

O médico Rodrigo Duprat, especialista em evolução humana, destaca que, excluindo o fator genético, a pandemia está servindo como um alerta para obesos, diabéticos e hipertensos buscarem um modo de vida mais natural, saudável e ativo. Nesse sentido, a transformação das cidades passa a ser peça fundamental, já que ambientes saudáveis contribuem para pessoas saudáveis. Será que agora, mais do que nunca, se dará a devida importância ao saneamento básico e à qualidade ambiental urbana, com a criação por exemplo de espaços que incentivem a atividade física e que sejam mais vegetados, melhorando o microclima e qualidade do ar?

Smart Cities

Quando a China mostrou na crise a sua capacidade de resiliência e de rápida resolução de problemas através das tecnologias avançadas, ficou claro para o mundo o aspecto tecnológico das Smart Cities. Dois exemplos foram o uso de robôs e drones para fazer entregas nos apartamentos e o georreferenciamento dos infectados a partir de telefones moveis como instrumento de prevenção e de formulação de políticas públicas. Deixando de lado o questionamento político desses mecanismos, temos que constatar que a crise tornou latente a necessidade de ampliação das soluções de IOT, Big Data e Inteligência Artificial na gestão das cidades.

Aplicativos que indicam a condição das pessoas quanto à contaminação pelo COVID19

ECONOMIA COLABORATIVA E CIRCULAR

A crise do novo coronavírus evidenciou o quanto a nossa economia ancorada por alicerces tradicionais está dando sinal de falência. Parar a engrenagem significa inevitavelmente falir, ainda que os bens produzidos por essa economia talvez não sejam tão necessários para o bem estar da população, como ficou claro durante a quarentena. Camila Haddad, mestre em desenvolvimento econômico e meio ambiente e especialista em Novas Economias, comenta que “aparentemente a crise econômica não provem da falta desses bens, mas sim da necessidade de continuidade do seu funcionamento”.

Camila também destaca como a quarentena aumenta a percepção do senso coletivo e da interdependência. A efetividade do isolamento ocorre apenas se há aderência do conjunto de pessoas e percebemos o quanto dependemos uns dos outros, na medida em que, se todos param, a comida não chega em nossas mesas, por exemplo. A capacidade local de solução dos problemas e a ampliação das redes de solidariedade são aspectos da quarentena que demonstram alguns dos novos valores da Nova Economia.

A partir dessas reflexões, temos a possibilidade de vermos a crise como uma grande oportunidade de colocarmos em prática de forma expressiva os conceitos de urbanismo sustentável. Depois do que estamos vivendo, não seremos mais os mesmos e as nossas cidades também não serão as mesmas. Somente precisamos aplicar nossa atenção para que essa mudança traga mais saúde e bem-estar para população de forma igualitária, o uso mais eficiente de recursos e a noção de que não estamos no planeta Terra, mas sim que somos parte dele.

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