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A revisão do Plano Diretor e seus impactos no desenvolvimento de uma cidade baixo carbono

14 de agosto de 2023

Por Myriam Tschiptschin, Gerente da Unidade Smart Cities e Infraestrutura sustentável do CTE *

Depois de um longo processo de revisão, o Plano Diretor Estratégico (PDE) da cidade de São Paulo foi alterado com a aprovação, na Câmara Municipal, do texto substitutivo no final de junho.

O Plano Diretor é um instrumento que visa orientar o crescimento e o desenvolvimento urbano das cidades, melhorando a qualidade de vida do cidadão. Mas pouco se fala sobre a contribuição dessas leis para a produção de localidades mais resilientes e com menor pegada de carbono.

Válido até 2029, o Plano Diretor paulistano tem entre seus propósitos a promoção de uma cidade mais sustentável. Por isso, durante o processo de revisão, foram incorporadas diretrizes e princípios do Pacto Global das Nações Unidas e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Também foram acrescidas às metas do PDE o cumprimento da Agenda 2030, conforme o estabelecido em acordos internacionais.

Para que as ações saiam do papel e induzam, de fato, a descarbonização da cidade, é necessário atuar, simultaneamente, em duas frentes prioritárias: redução de emissões de gases do efeito estufa (GEE) e mitigação dos impactos causados pelo agravamento dos desastres climáticos. 

Rotas para a redução de gases do efeito estufa

Os inventários de carbono realizados anualmente pela Secretaria de Verde e Meio Ambiente apontam dois grandes responsáveis quando falamos em emissões de gases do efeito estufa em São Paulo: 

  • Transporte, em decorrência do uso de combustíveis fósseis (gasolina e diesel);
  • Consumo energético dos edifícios (energia estacionária).

Emissões de GEE por setor

Fonte:  Inventário de Emissões e Remoções Antrópicas de Gases de Efeito Estufa (GEE) de 2020. Secretaria de Verde e Meio Ambiente (SVMA) da Cidade de São Paulo.

Com relação ao transporte, o PDE tem enorme potencial em contribuir para a redução de  emissões de poluentes, seja influenciando o adensamento em áreas já atendidas por infraestrutura, minimizando os deslocamentos, seja através da promoção da mobilidade ativa e desincentivos ao uso do carro. 

O PDE de 2014 já tinha como partido aproximar as moradias dos locais de trabalho, incentivando o aumento da população em áreas providas de infraestrutura de transporte — os Eixos de Estruturação Urbana. A revisão de 2023 manteve esse princípio e permitiu, inclusive, coeficientes de aproveitamento (CA) maiores em áreas do entorno de eixos de transporte, bem como nos núcleos dos bairros.

Houve, ainda, a ampliação dos eixos de verticalização para um raio de 700 m das estações de trem e metrô e de 400 m dos corredores de ônibus, respondendo a uma demanda do mercado imobiliário, que sofria com a escassez de terrenos. 

Mas se a ocupação compacta é uma meta a ser buscada, é importante garantir que haja um adensamento de população, e não apenas um aumento de potencial construtivo. A cota-parte foi um instrumento criado no PDE de 2014 para promover um maior número de unidades habitacionais de tamanhos menores nas áreas dos Eixos. A cidade não logrou o resultado esperado com esse dispositivo, mas a atual revisão do PDE, além de flexibilizar esse índice, não propôs nenhuma estratégia alternativa. 

O desafio de trazer mais famílias de diferentes classes sociais para viver em áreas mais centrais permanece. A solução parece passar pela viabilização  das Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS), áreas prioritárias para a produção de habitações populares, além da oferta de políticas públicas habitacionais mais contundentes e de incentivos efetivos ao retrofit de edificações ociosas em áreas centrais.

Com relação a esse último tópico, a prefeitura tem feito progressos interessantes. Um deles foi o lançamento do programa Requalifica Centro (Decreto nº 61.311/2022), que estabelece incentivos para estimular a requalificação de prédios antigos na região central da capital paulista.

O adensamento urbano é um tema que envolve polêmicas e paixões, mas é necessário que se faça essa discussão. Principalmente porque uma parcela importante da população ainda vive nas periferias, sem acesso à infraestrutura de saneamento básico, por exemplo, pré-requisito para se começar a pensar em uma cidade sustentável. Estamos falando também de Economia, já que, em um modelo de ocupação espraiada, a população passa horas improdutivas de seus dias se deslocando entre casa e trabalho.

Uma proposta de adensamento urbano deveria ser acompanhada também de estudos, discussões e parâmetros técnicos que garantam a preservação da paisagem da cidade e do patrimônio histórico, bem como condições de conforto, saúde e bem-estar nas edificações.

Para concluir a análise da influência da revisão do PDE nas emissões da cidade, a Prefeitura recuou ao flexibilizar a oferta de vagas de garagem de prédios, mesmo quando construídos nos eixos de transporte. A proposta original, que previa vagas adicionais como área computável na aprovação de projetos, era uma medida não somente para desincentivar o uso do carro, mas também uma contrapartida financeira a ser paga em decorrência das  externalidades negativas desse modo de transporte para a cidade e sua população.

 

Estratégias para mitigação de impactos

Paralelo à redução de emissões, muitas outras ações são necessárias para garantir que São Paulo seja capaz de minimizar os danos gerados pelas crescentes catástrofes climáticas. Para a cidade, são previstos, além do aumento da temperatura, a intensificação dos impactos das chuvas, conforme descrito no PlanClima (Plano de Ação Climática do Município de São Paulo 2020-2050). Foi nesse contexto que o PDE de 2014, com apoio do CTE, criou a Quota Ambiental, índice de ocupação dos lotes para qualificar as áreas vegetadas e permeáveis, com o objetivo de melhorar o microclima e a drenagem na cidade.

A revisão mais recente do PDE incluiu o conceito de praça urbana e a adoção de soluções baseadas na natureza nas intervenções do sistema de saneamento ambiental. Em paralelo, a exemplo do praticado pela Subprefeitura da Sé, a Prefeitura adotou os jardins de chuva como política pública municipal.

Ainda no campo de diretrizes gerais, o texto revisado do PDE fala em “criar incentivos urbanísticos para edificações que adotem medidas de sustentabilidade, como cogeração de energias renováveis, pré-tratamento de esgoto, reúso de água, utilização de materiais sustentáveis, entre outros, e melhorias climáticas que contribuam para redução de ilhas de calor e poluição, como arborização horizontal e vertical, entre outros.”

A Quota Ambiental estimulava a promoção de edificações com certificação de sustentabilidade por meio de desconto em outorga onerosa (Decreto Nº 57.565, de 2016). Mas essa regulamentação não foi contemplada agora, deixando para ser debatida em outro momento, provavelmente quando da revisão da Lei de Zoneamento.

Por outro lado, a revisão do PDE trouxe, em suas diretrizes, o incentivo à produção local de alimentos, uma medida de resiliência urbana, que gera benefícios sociais, ambientais e econômicos para a cidade. O texto aprovado fala em “ampliar a oferta de hortas urbanas em áreas públicas de forma articulada com programas pedagógicos nas unidades escolares, programas de segurança alimentar, de agroecologia e geração de renda”. 

Diretrizes como essa demonstram a interdependência das dimensões Ambiental, Social e de Governança e a necessidade do engajamento do poder público no movimento ESG, proposto pelo Pacto Global da ONU e fortalecido por empresas comprometidas com o desenvolvimento sustentável. Os desafios e metas impostos para cumprir o Tratado de Paris e evitar o agravamento das crises climáticas no contexto urbano precisam migrar do campo teórico para o prático com urgência. Certamente, as Leis Complementares ao Plano Diretor, atualmente em processo de revisão, são uma oportunidade para isso.

 

Comunidades sustentáveis

Se quiser saber mais sobre estratégias de resiliência urbana e certificações voltadas às cidades e comunidades sustentáveis, entre em contato com a nossa equipe. 

O CTE desenvolveu uma metodologia de implementação de estratégias ESG para comunidades sustentáveis e trabalha com uma série de referenciais internacionais, como o LEED Cities and Communities, o Fitwel Community, o LEED for Neighborhood Development (LEED ND) e o Sustainable Sites. 

Myriam Tschiptschin

Myriam Tschiptschin

Gerente da Unidade Smart Cities e Infraestrutura sustentável do CTE

Myriam Tschiptschin é arquiteta e urbanista formada pela FAU-USP (2007), especialista em Novas Tecnologias aplicadas à Arquitetura e a Cidades pela Universidad de Alcalá em Madri (2009) e Mestre, também pela FAU-USP, na área de Planejamento Urbano e Regional (2016). Gerente da Unidade de Smart Cities e Infraestrutura Sustentável do CTE, é professora de sustentabilidade urbana em pós-graduações do Mackenzie e da FAAP.

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