Construtoras discutem como superar os desafios impostos às áreas de suprimentos

Como atender as demandas por compras e contratações em alinhamento com as exigências de qualidade, custo e prazo? Como lidar com a escassez de mão de obra e com a oscilação dos custos de materiais? Esses são alguns desafios enfrentados todos os dias por quem está à frente do setor de suprimentos das construtoras.

Uma das áreas mais estratégicas para o sucesso das empresas, este departamento foi o tema da 3ª Roda de Benchmarking, realizada pela Rede Construção Digital, Industrializada e Sustentável (RCDI+S). Gerenciada pelo Enredes, unidade de negócio do CTE, a Rede consiste no maior ecossistema de relacionamento setorial e de inovação da construção brasileira, composta por mais de 100 empresas líderes em seus segmentos de atuação.

O evento, realizado no final de 2023 na Casa CTE, em São Paulo, contou com a participação de executivos de grandes companhias, como Cyrela, Tegra, Afonso França e Bild & Vitta. Juntas, essas quatro construtoras têm mais de 200 obras em andamento.

 

Apagão de mão de obra

Um dos temas em pauta foi a ameaça de apagão de mão de obra, constatada pelo aumento da idade média dos trabalhadores dos canteiros.  No caso dos oficiais, a idade média subiu de 37 anos, em 2016, para 40 anos, em 2023. Os dados são de um estudo realizado pela Autodoc.

Se no período de pandemia a grande dor de cabeça das construtoras decorreu de falhas na cadeia de abastecimento, hoje as maiores dificuldades estão associadas à oferta de mão de obra. “O mercado está aquecido e há uma escassez de trabalhadores. Isso dificulta o recrutamento, assim como eleva o turnover e a pressão sobre custos”, disse Oliver Roberto Andrade, diretor de suprimentos e assistência técnica na Cyrela.

A solução de um problema tão complexo exige esforço das empresas para desenvolver fornecedores e fortalecer parcerias de longo prazo. “Na prática, isso significa dar apoio administrativo para que as empresas menores se estruturem”, comentou Andrade.

 

Industrialização como alavanca da produtividade

Nesse contexto, faz sentido dedicar um olhar mais estratégico para as contratações que têm mais impacto no orçamento. Nas obras da Tegra, por exemplo, há cerca de 200 grupos de compras, entre materiais e serviços. Desse total, 25 categorias representam até 80% do custo da obra. São justamente nessas contratações que a empresa busca ter mais tempo para negociação. 

Isso, obviamente, não é feito com um apertar de botão. Para permitir algumas contratações com seis meses de antecedência, a Tegra teve que alinhar o seu cronograma de projetos com o cronograma de contratações visando compras mais assertivas. 

A escassez de mão de obra, associada à necessidade de maximizar a produtividade, tem impulsionado a Tegra a elevar o índice de industrialização de seus canteiros. A empresa tem adotado, de forma crescente, soluções como kits de instalações elétricas e hidráulicas, fachadas pré-moldadas e em steel frame, bem como andaimes direcionais. “A conta mudou. Em função do aumento do custo da mão de obra, há muita industrialização que se viabiliza”, disse Angel Ibanez, diretor de suprimentos e ESG da Tegra.

Segundo ele, o momento também pede reflexão sobre como são contratados os serviços. No caso de estruturas de concreto, por exemplo, a contratação sempre ocorreu por metro cúbico. “Mas a complexidade dos projetos mudou, exigindo reunir todos os envolvidos, do projetista ao empreiteiro, em busca de soluções que garantam as melhores condições de produção”, analisou Ibanez.

 

Suprimentos: um setor de inteligência

Com 21 obras em andamento, a Afonso França presta serviços para terceiros. Por isso, além de todos os desafios comuns às demais construtoras, ela precisa lidar com maior imprevisibilidade. Cada contrato possui regras próprias e cada cliente tem suas particularidades, havendo pouca repetitividade nas compras. 

“Além disso, trabalhamos com prazos enxutos. Às vezes assinamos o contrato em um dia e a obra começa no dia seguinte”, revelou Fernanda Marforio, superintendente de suprimentos da Afonso França. Ela contou que, em determinados momentos, é preciso adquirir materiais em home centers para conseguir atender os prazos. 

Segundo Marforio, em um contexto tão desafiador, torna-se ainda mais vital contar com parcerias bem consolidadas com fornecedores. 

Outra prática salutar é monitorar o desempenho das equipes de suprimentos, para identificar gargalos e buscar melhorias. No caso da Afonso França, isso é feito com o apoio de um Power BI que fornece um mapeamento claro sobre indicadores, como atrasos em contratações e tempo despendido para cada compra. 

“O comprador não é mais aquele profissional dedicado a obter descontos na hora de fechar um contrato. Ele é uma figura estratégica que precisa compreender como funciona o negócio da construtora e da cadeia de suprimentos, adicionando uma camada de inteligência em tudo o que faz”, destacou a superintendente da Afonso França. 

Eduardo Torciano, head de Suprimentos da Bild Vitta, concordou. O grupo possui atualmente 76 obras em andamento e é composto por dois negócios — Bild Desenvolvimento Imobiliário, voltado ao segmento de médio e alto padrão, e Vitta Residencial, focado em empreendimentos econômicos.

Como estratégia para suportar um rápido crescimento, a Bild Vitta tem buscado agregar análise de dados e inteligência de mercado à sua área de suprimentos corporativa. O objetivo é mapear com mais precisão a tendência de preços de materiais e insumos. 

“A informação com profundidade nos ajuda a antecipar cenários e nos torna menos vulneráveis diante de um contexto altamente volátil”, explicou Torciano. Ele contou que o varejo é um termômetro importante de variação de preço. Por isso, a Bild Vitta monitora de perto a banda de preços nesse segmento visando gerar insights que sirvam de apoio às negociações de compra. 

 

Síntese do encontro

Os debates realizados durante a Roda de Benchmarking geraram uma série de diretrizes e recomendações para a área de suprimentos. Confira a seguir:

  1. Implementação de sistema de homologação, qualificação e avaliação de fornecedores, bem como de um sistema de gestão de concorrência de serviços e obras (suprimentos centralizado ou semi-centralizado).
  2. As construtoras devem contar com um sistema de gestão da documentação e pagamento de impostos dos fornecedores.
  3. Implementar estratégias de desenvolvimento de fornecedores de mão de obra e materiais e de fortalecimento de parcerias estratégicas.
  4. Adotar a retroalimentação dos dados de assistência técnica para suprimentos.
  5. Criar uma matriz de gestão de riscos para a tomada de decisões de compra e contratação.
  6. Aplicar foco estratégico nas contratações que impactam em 80% dos custos da obra (curva A).
  7. Favorecer a integração da cadeia produtiva de projetos e fabricantes na etapa de contratação.
  8. Adotar sistemas construtivos industrializados e foco no aumento da produtividade visando combater a escassez de mão de obra.
  9. Implementar o ESG como um conjunto de diretrizes de compra e contratações, respeitando a diversidade de fornecedores.
  10. Padronizar o processo de suprimentos diante da complexidade do processo de contratações.
  11. Para construtoras que atuam com diferentes clientes e regiões do país, é importante ter flexibilidade no mapeamento e na contratação.
  12. A prática da reengenharia também deve ser foco da equipe de suprimentos visando garantir as margens de lucratividade.
  13. O profissional de suprimentos deve ser plural e conhecer a construtora na totalidade.
  14. A governança é fundamental, sobretudo em estruturas de suprimentos descentralizadas ou híbridas.
  15. É necessário aprender com a indústria questões de inteligência do mercado, tendência de preços no varejo e análise de dados e informações.
  16. O relacionamento entre a área de suprimentos e os fornecedores é extremamente valioso e gera valor com o mercado.

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